Linha de Terra

Carlota Jardim, Micaela Morgado, Sara Anjo em entrevista ao Dentes de Leão

Dentes de Leão (DL)
Que relevância teve o papel relacional e afetivo do Dentes de Leão para o vosso processo artístico?

Carlota Jardim (CJ)

Para mim, trabalhar com muita gente é sempre um desafio. Nas artes plásticas, de onde venho, o círculo de pessoas normalmente envolvido nos processos de criação é muito restrito, se não se cinge — no fazer da “obra” — apenas a mim própria. Apesar de ter tido experiências correlacionais e até participativas anteriormente, a experiência no Dentes de Leão abriu-me uma série de horizontes artísticos e relacionais, dos quais destaco precisamente a relação afectiva, a entreajuda, o debate crítico e a criação de comunidades efémeras – um “termo” que trabalhámos constantemente. Ora, todas estas coisas apenas são possíveis de ser edificadas — e confrontadas — num campo comum e a própria criação desse campo comum constitui o principal trabalho de criação. Isto é-me especialmente importante, porque me interessa ligar o artístico e o político dessa forma – na maneira como os processos se interligam para a criação de um “objecto” ou, no caso da Linha de Terra, também “momento”, que deles surge — mais do que a criação de um objecto que se indica como político a priori. A criação de objectos e a criação do(s) grupo(s) foi mais do que uma coincidência, foi fruto de uma série de forças e sortes que moldaram o processo artístico e, consequentemente, os seus “resultados”.

Desde o princípio deste projecto, considerei que a melhor ferramenta de trabalho colectivo e artístico que podia partilhar era o discurso, o debate. Propus isto, porque considerei a pintura, a minha área principal, como demasiado solitária e difícil de manobrar participativamente com resultados que fossem significativos para todos os envolvidos nesse processo. Durante o(s) processo(s) do Dentes de Leão, conversámos muito, mas essa conversa acabou por estar num foro mais processual e, daí, também mais privado, o que também é bom! O momento da Linha de Terra em que nos sentámos na toalha foi inicialmente proposto como um espaço de debate e reflexão colectiva, mas foi para mim excepcional compreender como esse momento não tinha de ser linguístico: podia ser mais sensorial, mais sensível e, por isso, penso agora — e ainda bem! —, até mais plástico e próximo do pensamento pictórico!

Micaela Morgado (MM)

Como nunca tinha estado envolvida num projeto deste género, o seu impacto foi enorme. No início, criei alguns constrangimentos, bloqueios e resistências, mas foram gradualmente diluídos por esse papel relacional e afetivo. Por outro lado, esse mesmo papel tornou o próprio projeto bastante pesado e mais complexo do que estava à espera. Sinto que houve alturas em que o papel de cada um (porque infelizmente existiam hierarquias) se desfigurava, muita coisa se misturava e muitos limites eram quebrados, trazendo uma dificuldade acrescida e esgotamento psicológico que retirava o foco do objetivo principal.

Sei que o papel relacional teve relevância, mas ainda não percebi que tipo de relevância teve para o meu processo artístico. A nível pessoal e interpessoal, no entanto, penso que posso afirmar que o Dentes de Leão teve uma grande relevância para todos. Fora do projeto, como ainda é muito recente, parece-me que, de imediato, teve o efeito contrário: sinto uma enorme necessidade de voltar a trabalhar sozinha e para mim, respeitar os meus ritmos e não forçar a “participação” de ninguém, inclusive a minha.

(continua no documento em anexo)

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